A Psicologia Junguiana e a Alquimia

28-10-2024

A alquimia é uma prática antiga que busca a transformação da prima matéria ( a matéria em seu estado original) em algo mais precioso, significativo e puro.

A psicologia analítica tem forte fundamentação baseada na alquimia.

Assim como o alquimista que busca equilibrar todas as potenciais substâncias da natureza, fogo/ água/ terra/ ar durante o processo da transmutação dos metais em ouro; o trabalho do analista atua da mesma forma. Nessa jornada entre analista e analisando o encontro do equilíbrio interno se faz necessário para que o “ouro” surja.

O alquimista via-se como alguém comprometido com o trabalho sagrado: a busca do valor supremo e essencial – paralelo com o trabalho do psicoterapeuta que caminha junto com o paciente em busca da conexão interna através da transformação/ conexão, em busca da integração dos conteúdos internos, conteúdos inconscientes em estado “bruto” que precisam ser “lapidados” para se juntarem a consciência.

Assim como na Opus Alquímica, o trabalho da Psicoterapia passa por fases. A Opus tinha como objetivo transformar a matéria bruta em material refinado, em ouro, o que simbolicamente corresponde a transformação psíquica que ocorre no processo psicoterapêutico. 

A descoberta da prima matéria corresponde a descoberta do material de trabalho na psicoterapia, ela pode estar em ocorrências cotidianas da vida, na sombra - aspectos dolorosos e humilhantes que necessitam vir à luz da consciência, na multiplicidade fragmentada/ desconectada que deve ser recolhida e organizada dentro de uma única unidade subjacente, como também pode aparecer de maneira indiferenciada, sem limites ou forma, correspondendo a uma experiência do inconsciente que expôs o ego ao infinito e por medo da dissolução, o ego estagna levando o indivíduo a contentar-se com seus limites e bloqueando o desenvolvimento.

“Com a descoberta da prima matéria, o alquimista deve submetê-la a uma série de procedimentos químicos a fim de transformá-la na Pedra Filosofal.” (Erdinger 1985, pág. 32)

Sete são as operações consideradas principais para a transformação alquímica: Calcinatio, Solutio, Coagulatio, Sublimatio, Mortificatio, Separatio e Coniunctio.

         Calcinatio:  FOGO - fase do processo alquímico que consiste em aquecer um sólido para retirar dele a água e todos os elementos passíveis de volatização – o aquecimento da pedra calcária para produzir a cal viva. No trabalho da psicoterapia ocorre processo semelhante “A calcinatio acontece no lado primitivo da sombra, esta acolhe o desejo faminto e instintivo e é contaminada pelo inconsciente, o fogo da calcinatio “acende” quando esses mesmos desejos são frustrados. Uma tal provação dos desejos frustrados é um aspecto característico do processo de desenvolvimento” (Erdinger 1985, pág. 43). O psicoterapeuta atua como “mediador” do fogo purgador, quando os complexos passam pela calcinação o fogo atua sobre a matéria escura - a fase da nigredo que se apresenta em forma de conflitos, purificando a substância, “decantando” o conflito. Quando o paciente tenta tornar o complexo consciente, integrando-o, o afeto liberado nesse processo torna-se fogo capaz de secar e purificar o complexo de sua contaminação inconsciente.

       “Pelo elemento fogo, tudo que há de impuro é destruído e retirado.” (Erdinger 1985, pág.51)

 

        Solutio:  ÁGUA – “A Solutio é a raiz da alquimia”. A solutio pertence a água, transforma um sólido num líquido. Leva a matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – a prima matéria – um retorno ao útero para fins de renascimento, visto a água como útero. No processo da psicoterapia os aspectos fixos da personalidade têm que passar pela solutio para se desenvolverem, eles devem ser dissolvidos ou reduzidos a prima matéria.

           Durante o processo psicoterápico os conteúdos inconscientes começam a se mobilizar e questionar as atitudes do ego. Existe uma descida ao inconsciente que é o útero materno de onde nasce o ego; retornar a prima matéria para reorganização.  Num ego desenvolvido a solutio vai gerar grande ansiedade, porque o estado de autonomia que já foi alcançado por ele está sofrendo ameaça de uma possível dissolução. “A dissolução do “velho” para o surgimento do novo regenerado/ rejuvenescido. Quando o velho princípio passa pela solutio, pede para ser coagulado em nova forma regenerada, afirmando ter ela quantidade de libido (riquezas) a sua disposição.” (Erdinger 1985, pág.73). 

           “A primeira solução é … a redução a prima matéria, a segunda é aquela perfeita solução de corpo e espírito a um só tempo, na qual solvente e dissolvido sempre vão juntos, e com essa solução do corpo ocorre, simultaneamente, uma consolidação do espírito” (1985, pág. 97), Entendo a solutio superior como a interação dos opostos, levando assim o encontro do ego com o Si-mesmo.

              

           Coagulatio: TERRA – Processo que transforma as coisas em terra. “Pesada e permanente, a Terra tem forma e posição fixas” (Erdinger 1985, pág. 101). Assim também acontece com um conteúdo psíquico ao passar por um processo de análise e galgar as fases anteriores do processo alquímico, este se concretiza, toma forma, solidifica – integra-se ao ego. Coagulatio é equiparada a criação; é promovida pela ação. A atividade e o movimento psíquico estimulados durante a psicoterapia promovem o desenvolvimento do ego. A coagulatio é associada ao processo da rubedo, ou o sangue, “a vermelhidão” da vida.

           “A substância a ser coagulada é o mercúrio fugidio, não tem forma nem padrão fixo. Suas imagens estão ligadas ao espírito, em oposição à realidade corporal, à matéria.  Ele é, em termos essenciais, o espírito autônomo da psique arquetípica, a manifestação paradoxal do Si-mesmo transpessoal. Submeter o espírito de mercúrio a coagulatio significa ligar o ego com o Si-mesmo, realizar a individuação. Os efeitos menores do fugidio mercúrio aparecem nos efeitos de todos os complexos autônomos. A assimilação de um complexo é, portanto, uma contribuição à coagulatio do Si-mesmo.” (Erdinger 1985, pág. 103).

            

As últimas operações do processo alquímico descritas nesses capítulos são: Sublimatio, Mortificatio/ Putrefactio, Separatio e Coniunctio. Essas operações do processo alquímico estão dentro das fases Nigredo, Albedo, Citrinitas e Rubedo.

Sublimatio: Elemento Ar

É o processo de elevação no qual a substância inferior se traduz numa forma superior mediante a um movimento ascendente. Corresponde a forma de lidar com o problema concreto, conseguir vê-lo objetivamente abstraindo o sentido geral, isto é observar o aspecto particular da questão mais ampla.

 É a morada das imagens arquetípicas. Na sublimação o distanciamento da psique objetiva se faz necessário para entrar em contato com o numinoso, para assim conseguir um novo olhar, sob novo ângulo. A liberdade do estado sublimado é uma importante realização para o desenvolvimento psíquico. A sublimatio superior se apresenta ascendente, bem como a inferior descendente. A sublimatio superior eterniza e a inferior personaliza.

O movimento ascendente e descendente da sublimatio quando combinados levam a outro processo alquímico a CIRCULATIO: “É o circuito repetido de todos os aspectos do ser, que gera a consciência de um centro transpessoal que unifica os fatores em conflito” (Erdinger, 1990, p. 161). 

O trânsito repetido entre os opostos gera uma conciliação entre eles; percorrer o caminho dos complexos repetidas vezes, até que haja a liberação da energia neles contida, a integração e a transformação.

A opus alquímica tem três estágios: Nigredo, Albedo e Rubedo: o escurecimento, o branqueamento e o avermelhamento.

Mortificatio/Putrefactio: A nigredo pertence a mortificatio. Não há referência química para a mortificatio, significa literalmente o ato de matar. Está ligada ao negrume, as imagens sombrias. “Aquilo que não torna negro, não torna branco, porque a negrura é o começo da brancura, bem como indicio de putrefação e de alteração, e de que o corpo se acha penetrado e mortificado” (Erdinger, 1990, p. 166).

 A sombra é necessária para a transformação, precisa ser vista e integrada. Assim a Putrefactio anula a velha natureza, transmuta as coisas velhas em novas. A morte da velha consciência é fundamental para que uma nova consciência, uma consciência transformada surja a partir da integração da sombra. 

Separatio: Produz-se ordem a partir da confusão, num processo análogo ao nascimento do cosmos e a partir dos mitos da criação. Separar o conteúdo indiferenciado; o resultado dessa é a divisão em dois, e a tomada de consciência dos contrários, característica essencial da consciência emergente. É a separação entre o sujeito e o objeto, entre o eu e o não – eu. O espaço para a existência da consciência surge entre os opostos. No processo psicoterápico o indivíduo passa pelo longo processo de diferenciação entre sujeito e objeto e a partir daí ocorre a desidentificação com outros pares de opostos. Quando isso ocorre, se obtém a clareza dos aspectos objetivos e subjetivos da experiência.

“Quando extraído o espírito, o significado e a libido da matéria - isto é dos objetos concretos pelos quais ansiamos; os fatos pétreos do mundo produzem significado vivo e assim vislumbramos o alvo da opus” (Erdinger, 1990, p. 216)

Coniunctio: A coniunctio é o ponto alto da opus e apresenta dois aspectos: extrovertido e introvertido. Para se entender o complexo simbolismo da Coniunctio deve-se distinguir entre duas fases:

“Coniunctio inferior é uma união ou fusão de duas substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou discriminadas. Sempre seguida pela Mortificatio.” (Erdinger, 1990, p. 227). A coniunctio inferior ocorre quando o ego se identifica com conteúdos que vem do inconsciente. 

O ego está sempre exposto a identificações com a sombra, anima/animus, e o Si-mesmo. A mortificatio desses conteúdos contaminados deve ocorrer sendo precedida pela separatio, assim finalmente a Coniunctio superior poderá se tornar plena. 

“Coniunctio superior é o alvo da opus, a suprema realização.” (Erdinger, 1990, p. 227)

É a pedra Filosofal, o ouro alquímico. É o resultado da união dos opostos purificados.

O inconsciente assume para com o ego a mesma atitude que o ego assume para com o inconsciente, ambos devem estar em conexão.

 A prima matéria precisa dos esforços do ego consciente para se transformar na PEDRA FILOSOFAL. 

Diz Jung: “As personalidades do médico e do paciente com frequência têm importância infinitamente maior, para o resultado do tratamento, do que o médico diz e pensa… Porque o encontro de duas personalidades é semelhante à mistura de duas diferentes substâncias químicas: se houver alguma combinação, ambas as substâncias se transformam.”

Bibliografia:

EDINGER, E.F. (2021). Anatomia da Psique – O simbolismo alquímico da Psicoterapia (10ª. Impressão da Primeira Edição – São Paulo: Editora Cultrix (Trabalho original publicado em 1990).

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